Os regimes autoritários, frequentemente marcados por uma centralização rígida do poder e pela supressão do pluralismo político, enfrentam um dilema histórico: como evoluir para atender às demandas de suas populações sem perder os ideais que os sustentam? A Coreia do Norte, sob a dinastia Kim, exemplifica um sistema que, embora ancorado em princípios socialistas, rejeita a democracia em favor de um controle monolítico, resultando em estagnação cultural e econômica. Este artigo propõe que a democracia, longe de ser uma ameaça, pode ser um instrumento de renovação para tais regimes, integrando reflexões de filósofos comunistas como Karl Marx e Antonio Gramsci com ideias de pluralismo político e socialismo capitalista. Para a Coreia do Norte, isso exige uma crítica direta ao seu modelo atual e a sugestão de uma nova cultura política que priorize a participação e a diversidade como protagonistas do sucesso.
Marx e a Democracia como Realização do Coletivo
Karl Marx, em O Manifesto Comunista (1848), coescrito com Friedrich Engels, via a democracia como uma etapa transitória rumo à emancipação do proletariado. Ele reconhecia que, apesar de suas limitações no capitalismo, a democracia oferecia ferramentas — como o sufrágio e a organização coletiva — que os trabalhadores poderiam usar para desafiar o poder. Na Coreia do Norte, porém, o ideal marxista foi distorcido: o poder do povo foi substituído por uma elite partidária que monopoliza a decisão, enquanto a população é reduzida a espectadora. Um novo modelo cultural inspirado em Marx poderia reintroduzir eleições internas no Partido dos Trabalhadores, com candidatos representando camponeses, operários e intelectuais, promovendo um pluralismo socialista que devolva a voz ao coletivo sem abandonar a unidade ideológica.
Gramsci e a Hegemonia Cultural Democrática
Antonio Gramsci, em Cadernos do Cárcere (1929-1935), argumentava que a revolução depende da hegemonia cultural — o consentimento ativo das massas a uma ideologia. Na Coreia do Norte, a cultura atual é sufocada por um culto à personalidade que exalta os líderes Kim, enquanto a propaganda estatal elimina qualquer espaço para diálogo. Essa abordagem contrasta com a visão de Gramsci, que valorizava a participação popular na construção de uma narrativa compartilhada. Uma crítica direta ao modelo norte-coreano revela sua fragilidade: ao isolar os cidadãos de ideias externas e reprimir a criatividade, o regime mina sua própria legitimidade. Um novo modelo cultural poderia abrir fóruns locais de debate, onde os cidadãos discutissem políticas dentro de um marco socialista, transformando a coerção em consenso e revitalizando a identidade nacional.
Crítica à Coreia do Norte: Um Sistema Estagnado
A Coreia do Norte, com sua ideologia Juche e o sistema Songbun, exemplifica os limites do autoritarismo socialista. O Juche, que prega a autossuficiência, tornou-se uma justificativa para o isolamento, enquanto o Songbun cristaliza desigualdades sociais sob o pretexto de lealdade ao regime. Culturalmente, o país é um deserto criativo: a arte, a mídia e a educação servem apenas à glorificação do Estado, sufocando o potencial humano que Marx e Gramsci viam como essencial para o progresso. A repressão ao acesso à informação — com a internet limitada a uma elite mínima — e a ausência de uma sociedade civil tornam o regime dependente da força, não do apoio genuíno. Economicamente, a rejeição de reformas, mesmo após a fome dos anos 1990, reflete uma rigidez que condena milhões à pobreza. Esse modelo não apenas trai os ideais socialistas de igualdade, mas também impede a adaptação a um mundo globalizado.
Um Novo Modelo Cultural: Pluralismo e Socialismo Capitalista
Para superar essa estagnação, a Coreia do Norte poderia adotar um modelo cultural que combine pluralismo político com um socialismo capitalista adaptado. Inspirando-se em Rosa Luxemburgo, que em A Revolução Russa (1918) criticava a supressão da liberdade no socialismo, o regime poderia criar conselhos regionais eleitos com autonomia para experimentar políticas — como cooperativas de mercado ou projetos comunitários —, mantendo a coesão nacional. Culturalmente, isso significaria abrir espaço para a expressão artística e intelectual, desde que alinhada aos valores socialistas, mas sem o jugo do culto à personalidade. A introdução de elementos capitalistas, como zonas econômicas especiais (a exemplo da China), poderia financiar o bem-estar social, enquanto o pluralismo político garantiria que tais mudanças refletissem as necessidades do povo, não apenas da elite.
O Sucesso do Pluralismo: Uma Nova Legitimidade
O sucesso desse modelo depende de redefinir a legitimidade. Na Coreia do Norte, a obediência forçada substitui o engajamento ativo, mas a democracia pluralista poderia transformar cidadãos em agentes de mudança. Países como o Vietnã, que equilibram controle político com abertura econômica, mostram que o pluralismo limitado pode gerar prosperidade e apoio popular. Para a Coreia do Norte, isso exigiria abandonar o isolamento cultural e abraçar uma identidade socialista renovada, onde a diversidade de vozes fortalece, em vez de ameaçar, o sistema.
Conclusão
A democracia não é uma traição ao socialismo, mas sua evolução possível. Para a Coreia do Norte, a crítica ao seu modelo atual — rígido, repressivo e estagnado — aponta para a necessidade de uma nova cultura política. Inspirando-se em Marx, Gramsci e Luxemburgo, o regime pode integrar pluralismo e socialismo capitalista, empoderando o povo e adaptando-se ao século XXI. Esse caminho exige coragem para romper com o passado, mas oferece a promessa de um futuro onde a justiça social e a participação popular sejam protagonistas, resgatando o verdadeiro espírito do socialismo.
Referências Bibliográficas
Marx, Karl; Engels, Friedrich. O Manifesto Comunista. 1848. Tradução de Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 1998.
Gramsci, Antonio. Cadernos do Cárcere. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Luxemburgo, Rosa. A Revolução Russa. 1918. Tradução de Isabel Loureiro. São Paulo: Iskra, 2003.
Lenin, V. I. O Estado e a Revolução. 1917. Tradução de Paula Almeida. Lisboa: Avante, 1977 (para contexto sobre tensões entre democracia e autoritarismo no socialismo).
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