4.1. Introdução
O tetragrama YHWH, o nome pessoal de Deus revelado em Êxodo 3:14 como Ehyeh Asher Ehyeh (“Eu Sou o Que Sou” ou “Serei o Que Serei”), é central na teologia judaico-cristã, encapsulando a eternidade, autossuficiência e presença relacional de Deus. Tradicionalmente, o YHWH é transliterado como Yahweh em contextos acadêmicos, Jehovah em algumas denominações cristãs, ou substituído por “Senhor” (Adonai, Kyrios, Dominus) nas liturgias protestante, católica e ortodoxa. No entanto, essas formas podem não capturar plenamente o significado teológico do nome para falantes contemporâneos, especialmente em contextos culturais específicos como o Brasil, onde a linguagem teológica precisa ser acessível e ressonante. Este capítulo propõe uma tradução inovadora do YHWH como “É-Sempre” em português, uma tradução conceitual que reflete a essência do “Eu Sou” e a eternidade divina, adaptada à sensibilidade linguística e espiritual brasileira. A proposta é fundamentada em análises linguística, teológica e cultural, avaliando sua viabilidade nas três principais tradições cristãs e sua relevância para a prática religiosa no Brasil.
4.2. Fundamentação Linguística
4.2.1. Etimologia e Contexto do YHWH
O YHWH deriva da raiz hebraica hayah (“ser” ou “existir”), que denota existência, continuidade e ação. Em Êxodo 3:14, a expressão Ehyeh Asher Ehyeh é uma construção verbal no primeira pessoa do singular do imperfectivo qal, sugerindo tanto uma existência presente (“Eu Sou”) quanto uma presença futura (“Serei”). Segundo Gesenius (Hebrew Grammar, 1898, p. 138), o YHWH é uma forma arcaica do verbo hayah, possivelmente no modo causativo (hiphil), implicando “Aquele que faz existir” ou “Aquele que é”. A ausência de vogais no tetragrama, devido à escrita consonantal hebraica, levou a especulações sobre sua pronúncia, com Yahweh sendo a reconstrução mais aceita com base em transliterações gregas como Iao (Botterweck & Ringgren, Theological Dictionary of the Old Testament, 1974, vol. 5, p. 500).
A proposta de “É-Sempre” parte da tradução de *Ehyeh* como “É”, que preserva a ideia de existência absoluta, e adiciona “Sempre” para capturar a dimensão atemporal implícita no YHWH. Em português, “é” é a terceira pessoa do verbo “ser” no presente, alinhando-se com a autoproclamação divina de presença imediata. “Sempre”, um advérbio de tempo, reflete a eternidade e continuidade, ecoando passagens como Salmos 90:2 (“De eternidade a eternidade, tu és Deus”). Linguisticamente, “É-Sempre” é uma tradução conceitual, não uma transliteração, priorizando o significado teológico sobre a forma fonética.
4.2.2. Comparação com Outras Traduções
- Yahweh: Uma transliteração acadêmica que preserva a sonoridade hebraica, mas pode soar estrangeira ao falante brasileiro, carecendo de ressonância cultural.
- Jehovah: Resultado de um erro medieval, combinando as consoantes do YHWH com as vogais de Adonai (Yehovah). Embora usado por denominações como as Testemunhas de Jeová (Tradução do Novo Mundo, 1967), é criticado por estudiosos como anacrônico (Gesenius, 1898, p. 140).
- Senhor: Substituição tradicional (Adonai, Kyrios, Dominus), adotada na Bíblia de Almeida, Vulgata e Septuaginta, que enfatiza o senhorio divino, mas perde a especificidade do nome pessoal.
- É-Sempre: Diferentemente das opções acima, combina a essência verbal de Ehyeh (“É”) com a eternidade implícita (“Sempre”), oferecendo uma tradução acessível e teologicamente rica para o português.
A escolha de “É-Sempre” é justificada pela necessidade de uma linguagem que conecte a teologia bíblica à experiência cotidiana, especialmente em um contexto brasileiro onde expressões como “Deus está sempre conosco” são comuns.
4.3. Fundamentação Teológica
4.3.1. Eternidade e Imutabilidade
O YHWH revela Deus como eterno e imutável, conforme Salmos 90:2 e Hebreus 13:8 (“Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre”). João Calvino interpreta o “Eu Sou” como a afirmação de que Deus é o fundamento de toda a existência, independente de qualquer contingência (Institutas da Religião Cristã, 1560, Livro I, Cap. 13). “É-Sempre” reflete essa eternidade, sugerindo que Deus transcende o tempo e permanece constante, uma ideia central nas três tradições cristãs:
- Protestantismo: Louis Berkhof enfatiza a imutabilidade divina como base para a confiança na aliança (Deuteronômio 7:9) (Systematic Theology, 1941, p. 58).
- Catolicismo: Joseph Ratzinger destaca a eternidade de Deus como fundamento da esperança cristã (Introdução ao Cristianismo, 1968, p. 112).
- Ortodoxia: Timothy Ware conecta a eternidade divina à liturgia, onde Deus é celebrado como “Aquele que é” (The Orthodox Church, 1997, p. 210).
4.3.2. Presença Dinâmica
O YHWH não é apenas estático, mas ativo na história, como visto na libertação do Egito (Êxodo 6:6) e na promessa de presença (Mateus 28:20). A tradução “Serei o Que Serei” (alternativa para Ehyeh Asher Ehyeh) sugere um Deus que se revela progressivamente. “É-Sempre” capta essa dinâmica, indicando que Deus está continuamente presente e atuante, um conceito ressonante com a espiritualidade cristã:
- Protestantismo: A ênfase em Sola Scriptura valoriza a presença de Deus nas Escrituras e na vida do crente.
- Catolicismo: A teologia da imanência divina, como na eucaristia, alinha-se com a ideia de um Deus sempre presente.
- Ortodoxia: A mística ortodoxa, com sua ênfase na theosis, vê Deus como sempre acessível.
4.3.3. Relacionalidade
O YHWH é o nome da aliança, revelado a Israel como sinal de proximidade (Êxodo 6:2-8). “É-Sempre” reforça essa relacionalidade, sugerindo um Deus que está sempre com seu povo, ecoando Mateus 28:20 e Deuteronômio 7:9. Essa dimensão é universal nas tradições cristãs, conectando a proposta à prática devocional.
4.4. Fundamentação Cultural
4.4.1. Contexto Brasileiro
O Brasil, com sua diversidade religiosa e cultural, exige uma linguagem teológica que seja clara e significativa. A espiritualidade brasileira, marcada por expressões como “Graças a Deus” e “Deus me livre”, valoriza termos acessíveis que evocam proximidade divina. “É-Sempre” atende a essa necessidade:
- Sonoridade: Curto, memorável e fluido, ressoa com a oralidade brasileira.
- Significado: Combina eternidade (“Sempre”) com presença (“É”), alinhando-se com hinos e orações populares.
- Adaptabilidade: Pode ser usado em hinos, sermões e catequese, transcendendo barreiras denominacionais.
4.4.2. Diálogo com a Pluralidade Religiosa
No Brasil, o cristianismo coexiste com tradições afro-brasileiras, indígenas e seculares. “É-Sempre” oferece uma ponte para o diálogo, pois sua linguagem universal (eternidade e presença) pode ser compreendida além do contexto cristão, sem comprometer a especificidade teológica. Por exemplo, a ideia de um Deus sempre presente ressoa com conceitos de divindades imanentes em religiões afro-brasileiras, facilitando a evangelização e o diálogo inter-religioso.
4.5. Viabilidade nas Tradições Cristãs
4.5.1. Protestantismo
No protestantismo, a ênfase em Sola Scriptura valoriza traduções que reflitam o sentido bíblico. “É-Sempre” é compatível com a exegese de Êxodo 3:14, podendo ser adotado em:
- Hinos: Letras como “É-Sempre está comigo, nunca me deixará” poderiam enriquecer hinários, como os da tradição pentecostal.
- Estudos Bíblicos: Denominações como batistas e presbiterianas, que valorizam a exegese, poderiam usar “É-Sempre” em reflexões teológicas.
- Evangelização: A acessibilidade do termo atrairia não crentes, especialmente no Brasil.
Desafio: A preferência por “SENHOR” na Bíblia de Almeida pode limitar a aceitação inicial, exigindo esforços pedagógicos.
4.5.2. Catolicismo
O catolicismo combina Escritura e tradição, usando “Senhor” (Dominus) na liturgia e Yahweh em contextos acadêmicos (Bíblia de Jerusalém). “É-Sempre” é viável por:
- Teologia da Imanência: Alinha-se com a presença de Deus na eucaristia e na espiritualidade popular (ex.: novenas).
- Catequese: A simplicidade do termo facilitaria o ensino, especialmente em comunidades brasileiras.
- Liturgia: Poderia ser incorporado em hinos e orações, como “É-Sempre, nosso Deus”.
Desafio: A tradição litúrgica consolidada (Dominus) pode resistir a inovações, embora a Teologia da Libertação, influente no Brasil, valorize linguagens contextuais (Libânio, Teologia da Libertação, 1987).
4.5.3. Ortodoxia
A Igreja Ortodoxa privilegia Kyrios e Theos, com forte apego à tradição litúrgica. “É-Sempre” é menos provável na liturgia formal, mas viável em:
- Reflexões Teológicas: A mística ortodoxa, que enfatiza a eternidade divina, poderia acolher “É-Sempre” em escritos espirituais.
- Comunidades Brasileiras: Pequenas comunidades ortodoxas no Brasil, influenciadas pela cultura local, poderiam adotar o termo em cânticos.
Desafio: A fidelidade à Septuaginta (Kyrios) limita mudanças, mas a espiritualidade monástica ortodoxa valoriza inovações contemplativas.
4.6. Aplicação Prática no Brasil
4.6.1. Hinos e Adoração
“É-Sempre” pode ser integrado a hinos cristãos, como:
- Protestantismo: “É-Sempre, meu Salvador, guia-me com teu amor.”
- Catolicismo: “É-Sempre, Deus de paz, em ti confio, meu Pai.”
- Ortodoxia: “É-Sempre, Alpha e Ômega, louvor a ti cantamos.”
No Brasil, hinos como “Porque Ele Vive” (protestante) e “Pescador de Homens” (católico) mostram a receptividade a linguagens acessíveis, sugerindo potencial para “É-Sempre”.
4.6.2. Catequese e Educação Teológica
A proposta pode ser usada em:
- Escolas Dominicais Protestantes: Ensinar a eternidade de Deus com “É-Sempre”.
- Catequese Católica: Introduzir o YHWH como “É-Sempre” em materiais para jovens.
- Seminários Teológicos: Explorar a tradução em cursos de teologia bíblica.
4.6.3. Evangelização
“É-Sempre” facilita a comunicação do evangelho no Brasil, onde a simplicidade é valorizada. Por exemplo, campanhas evangelísticas poderiam usar frases como “É-Sempre está com você”, conectando-se à espiritualidade popular.
4.7. Limitações e Críticas
- Reverência Judaica: O judaísmo evita pronunciar o YHWH, substituindo-o por Adonai ou HaShem. “É-Sempre” pode ser vista como uma ousadia em contextos inter-religiosos.
- Tradição Cristã: A preferência por “Senhor” ou Yahweh nas denominações pode resistir à inovação.
- Especificidade: Como tradução conceitual, “É-Sempre” não preserva a sonoridade hebraica, o que pode ser criticado por puristas.
- Aceitação Cultural: Embora acessível, a adoção depende de esforços pedagógicos para superar a familiaridade com “Deus” e “Senhor”.
4.8. Conclusão
A proposta de traduzir YHWH como “É-Sempre” oferece uma contribuição original à teologia cristã, combinando rigor linguístico, profundidade teológica e sensibilidade cultural. Fundamentada na etimologia de Ehyeh, na teologia da eternidade e presença divina, e na necessidade de uma linguagem acessível no Brasil, “É-Sempre” é viável nas tradições protestante, católica e ortodoxa, com potencial para enriquecer hinos, catequese e evangelização. Apesar de desafios relacionados à tradição e à reverência judaica, a proposta alinha-se com a missão cristã de comunicar a revelação divina de forma relevante. No contexto brasileiro, “É-Sempre” pode fortalecer a adoração e a identidade cristã, conectando a teologia bíblica à espiritualidade contemporânea.
4.9. Referências
1. Almeida, João Ferreira de. Bíblia Sagrada: Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
2. Berkhof, Louis. Systematic Theolog. Eerdmans, 1941.
3. Botterweck, G. J., & Ringgren, H. (Eds.). Theological Dictionary of the Old Testament. Vol. 5. Eerdmans, 1974.
4. Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. Trad. Carlos Eduardo de Oliveira. UNESP, 2006.
5. Gesenius, Wilhelm. Hebrew Grammar. Oxford University Press, 1898.
6. Grudem, Wayne. Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine. Zondervan, 1994.
7. Libânio, João Batista. Teologia da Libertação. Loyola, 1987.
8. Ratzinger, Joseph. Introdução ao Cristianismo. Loyola, 1968.
9. Skeat, Walter W. An Etymological Dictionary of the English Language. Clarendon Press, 1882.
10. Sociedade Torre de Vigia. Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas. Watchtower, 1967.
11. Ware, Timothy. The Orthodox Church. Penguin, 1997.
0 comentários:
Postar um comentário